domingo, 24 de janeiro de 2010

Castelinha


Num final da tarde, o sol já estava amarelado onde todos podiam sentir a melancolia que assolava a Castelinha. Encontrávamos o Tote sempre sentado e encostado à parede na empena da casa da Gina, com a cabeça levantada e ambas as mão entre as pernas vendo lá para atrás do Monte Bitchitchoco como se ele estivesse a ver as nuvens a dançar. Acompanhado daquele olhar atento, podia ouvir um complexo de som a sair entre os seus lábios pretos sob a forma de assobios que misturados com compasso do batimento das suas sandálias nas calcetadas, qualquer um podia dançar o funaná.

Lá em baixo, desenrolava quase todas as actividades daquela aldeia. Um burro a transportar as folhas de cana-de-açúcar para alimentar as vacas, um homem a transportar os ramos de acácias para a combustão no forno para fazer ferver o alambique. Talvez por causa dos vapores conduzidos pelos canos dos alambiques que o Orlando chegou com o cacho de bodião na mão esquerda, na outra mão uma cana de bambu preparado com linha e anzol preta de quinze, a dançar de um lado para outro como uma vara verde. O Djubero deitado nas palhas dentro da valeta. Do outro lado da ladeira, o Tchungo orientava as cabras, vacas, burros e ovelhas para o curral. Toda a aldeia estava a caminhar na sua rotina diária.

Vínhamos com arcos, pneus, jantes, moringos e carros de latas, outros com um simples ramo de acácia fazendo aventar todas aquelas argilas vermelhas da Castelinha. Estávamos sujos, com cabelos barrados da pó com o suor. Chegamos, sentamos todos em frente do Tote para ouvir as estórias.
Com o seu olho curvo e num olhar sereno, meteu a mão no bolso, tirou o seu tabaqueiro parecendo não dar-nos a mínima atenção. Depois de inalar aquela erva cozida, começou a contar estórias de Nha Bedja, feiticeiras, finados, Paulo, Pedro e Manuel, Nha Joana entre outras. Ele descrevia cada acção como se ele tivesse vivido todas aquelas aventuras, ora triste, ora assombrosa ou alegre que baloiçava as almas que o escutava.
Os grilos já estavam a cantar quando ele ordenou-nos para irmos às nossas casas. O banho antes do jantar foi outra vez muito doloroso. Nada melhor do que levantar todas aquelas manhãs para ver o sol a nascer, subindo no céu lá por detrás da Ilha do Maio e brincar o dia todo.

Não havia a televisão em Castelinha, nem há luz eléctrica!

Imagem: Aki

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