O gosto da katota

Há uns meses, a convite de uma amiga para um jantar em casa dela, experimentei um famoso queijo francês oferecido pelo patrão dela com pompa e circunstância. O primo dela que tem apetite de um cão - cão cabo-verdiano, o vira lata, claro! -, disse-me sem pestenejar, fazendo a cara de quem pisou merda sem sapato em plena chuva, que ele não comeria aquele queijo nem morto:

- Aquele queijo aí cheira a pipita. Ao mesmo tempo, um outro primo da minha amiga replicou:

- Tá tcherá sim, moda pipita!

Lá estava eu, depois de um gole do vinho e com estômago do diabo, a ignorar estas grandes fossas nasais que tenho na cara:

- De facto, ele tem cheiro de katota mas sabe bem!

Comi quase todo aquele queijo e ainda queriam que eu levasse o resto para a casa. Não o fiz por vergonha - sou bastante tímido -, invocando a velha tradição da minha ilha: "homi hora ki dado cete ka ta spera cacete".

Não ia recordar aquele episódio se não cruzasse com o queijo francês novamente, ou melhor, se ele não entrasse em minha casa quando fui apresentado uma real francesa semana passada. A très sympathique Valerie ofereceu-me dois queijos franceses. Quando os tirei da embalagem, fiquei com a sensação de estar num aterro de madres dos mamíferos; era um cheiro podre, azedo e intenso a fervilhar vermes no lixiviado.

Suspendi a respiração, ao mesmo tempo que instintivamente bloqueei todos os órgãos sensíveis ao cheiro e paladar, mandei um pedaço pelo esófago abaixo. Quando reactivei esses órgãos sensíveis: 

- #%&#$% arrgh! Tens a certeza que esta merda não está podre e estragado?! Ela, com toda a paciência e simpatia, respondeu-me:

 - Não está estragado, este queijo é assim.

 -É que este queijo, além de ter txero de katota, ten gosto de katota! - respondi enjoado e meio irritado com a situação. 

Depois, ela ela já tinha ido embora, dei comigo a reaver todo aquele estranho cenário, e pensei: afinal, qual é o gosto da katota?

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