sábado, 6 de abril de 2013

Crónica Azeda

Por esta cidade ando, nos tristes caminhos, os velhos, as prostitutas e os mendigos que já não quero ver triste. Ou um solitário jovem como eu.

Normalmente quando falo com as pessoas sobre os trajectos, ruas e percursos que faço no Porto, muitos já me querem ver à distância porque, além de não ter o hábito de andar a pé, não coadunam com os caminhos de cabra que tanto gosto. 

Desta vez, um pouco diferente, fiz toda a Costa Cabral para entrar na Praça do Marquês de Pombal. Um velho cabisbaixo, talvez por ressaca ou filosofando sobre a melhor resposta a dar à generala* em casa, procura com a ponta do pé direito alguma beata entre as folhas secas e húmidas das plantas da praça que abafam os murmúrios de outros velhos que jogavam o baralho atrás do quiosque para fugir a solidão, ocupar o tempo livre, esquecer a crise que tanto falam, falar do futebol que é comum ou, simplesmente, observar as gajas boas que passam ali. Um velho mendigo com a língua solta e prendida no céu da boca dizia palavrões e outras palavras imperceptíveis, e segurando o seu último cartão de vinho Dia que deixava escorrer por entre os dedos algumas gotas que ensopavam o pão que comia, os seus olhos tristes enumerava cuidadosamente as hipócritas solidariedades dos homens dos nossos tempos mesmo sabendo que na verdade só a morte é solidário com ele.

Num 'obe lá caralho' que ignorei como as calçadas ignorava os passos dos meus velhos e desgastados Vibram acossados por pretas meias que poderiam estar a pedir socorros no escuro dos meus dedos, fitei disfarçado a linda prostituta agarrada ao telemóvel na entrada de Santa Catarina que, embora não parava de teclar como se estivesse a anunciar ao seu proxeneta que o dia ia ser tão mau como os passeios que os trabalhadores estragaram para consertar a água e telefone que nem com a ajuda dos guardas da PSP conseguiam pôr em ordem o trânsito ali, deixava aos condutores e quem ali passava um sério aviso que entre as coxas fitness escondia o diabo ucraniano ou de um país de leste qualquer, que nem as travestis brasileiras que pavoneiam por aí à noite são capazes sentir tão gostosas para um homem ou quem quer que seja desde que tenha aquilo que por ele mais se clama neste momento em Portugal.

Nem dei conta que atravessei toda a Avenida dos Aliados, já estava em plena ponte D. Luis I a prestar atenção numa conversa alheia que não me serviu de nada porque os turistas estavam a falar o alemão que percebo tanto quanto um cego percebe as cores das publicidades no Metro Porto que passou por mim tão perto e o formigueiro foi tanto que só tive o tempo quando recuperei a consciência para ler de longe que o metro ia ao Santo Ovídio.

Ali fiquei na Vila Nova de Gaia por mais de três horas, tive tempo para dar um salto ao El Corte Inglês, e ler algumas crónicas do António Lobo Antunes, obviamente que passei por umas peças giras nas secções dos homens e crianças mas o preço dessas peças era também tão giro mas não para qualquer um e muito menos para quem à saída não ficou indiferente ao limusina estacionado ali na rua, enquanto o seu condutor fumava um cigarro apressado, o segurança com um ar desconfiado procurava ver se alguma barata estranha saía das gretas dos prédios.

Sem ficar muito a babar nessa indiferença e estar com uma garrafa de água comprada na loja do preço redondo, fiz praticamente o mesmo percurso de volta à Areosa sem parar de matutar: será que é a isto que se chamam de Mini-preço? 

*Expressão da Imperatiz Sissi 

2 comentários:

  1. O azedume toca-nos a todos..na rua ou cá por dentro...;)

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    1. Pois é, toca-nos a todos e, pelos vistos, vai continuar a tocar-nos por muito tempo. Ah, ia-me esquecer, de dar-te os devidos créditos à generala.

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