quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Eu e a minha anja Graça


A minha casa estava aborrecida demais para suportar a minha alma solitária. Já era tarde e não me apetecia estar mais lá dentro. Resolvi tomar banho e sair. O destino era o Colombo mas quando entrei no metro deu-me vontade de fazer uma coisa diferente: porque não ir à Fnac do Chiado?

O aborrecimento era demais para apreciar cada beleza feminina que entrava no metro. Mas ao longo do percurso pensei: "eu não conheço a Fnac do Chiado. Como chegar lá? Certamente, hoje não será o primeiro dia que vou procurar um lugar desconhecido..."

Quando cheguei à estação Chiado, não sabia por onde ir, portanto segui a multidão. Em vez de descer a escada como algumas pessoas, resolvi manter o piso e sair da estação. Vi umas escadas como que levassem ter com o Santo António, e tive um déjà vu: "Já cá estive, já estive! Estive cá um dia com o meu primo; trouxemos a anja para apanhar o metro."

Dito e feito. Cá em cima não está o Santo António mas estão quatro rapazes a dançar o rap num estilo magnífico. Não distraio muito a apreciá-los, instintivamente quero estar lá em cima onde uma vez estive com ela.

Esta selecção do jazz fervilha o meu coração à medida que subo; ignoro o sinal que esta prostituta me faz com a cabeça; bingo! o autocarro 758 Cais do Sodré já me confirma que estou perto.

Agora sim, já não posso ignorar os tum-tuom-tum-tum do contrabaixo, à medida que vem à minha mente as roupas escuras, as sandálias, os caracóis dos cabelos negros a deslizarem no vento e o brilho dos dentes dela; um espécie de sufoco invade a minha alma, está lá do outro lado o castelo que ela mostrou-me pela primeira vez, o café Hard Rock, Condes e as luzes amarelas como os grãos de milho-terra na espiga seca.

Está uma tarde tremendamente calma aqui em cima no Bairro Alto que não está a ser perdoada pelo piano e este contrabaixo; não resisto em fazer o percurso que fizemos naquele dia: vejo o Sana Lisboa Hotel, Liberty Seguros, Altis Grand Hotel, o Tivoli e toda a linha imaginária que une a Avenida da Liberdade.

"Lembras daquela nossa discussão sobre a música Anel de Rubi? É Tivoli ou Rivoli? E o chá frio que nunca mais chegamos a tomar cá?. Epah acho que estou a falar sozinho!" O piano continua a tuli-luli-lulim, luli-luli-li, lim-lim , lim nos meus fones.

"Se calhar gostei dela?! Gostei dela sem nunca puder dizer nada porque não houve timing para mim. Se calhar eu é que falhei no timing?  Agora ela está algures por aí em Lisboa. E é claro que não espero que ela venha ler este desabafo."

Espero que num dos fumos que há-de escoar entre os lábios castanhos desenhe as lembranças do momento que estivemos aqui neste cinzento céu que cobre a Lisboa.

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